Mais do que uma aventura alucinante pela Europa
A ida ao Cabo Norte é uma daquelas viagens de que se ouve falar e se sonha em fazer um dia. O sonho rapidamente começou a tornar-se realidade, mas não o poderíamos concretizar de forma simples e rápida sem complicar!
Recuando a agosto de 2016, uma primeira conversa ainda com alguma incerteza começou a dar sentido a tudo o que teríamos pela frente, assim como a dar forma a muito mais do que uma simples viagem. Com este relato vão ficar a saber a história d’asviagens.com como a vemos hoje em dia, integrando a viagem ao Cabo Norte, sendo o culminar de vários meses de trabalho e ao mesmo tempo o inicio de um projeto com mais ideias e ambições.
Conhecemo-nos poucos meses antes de agosto 2016 na Rod’aventura, durante um dos convívios semanais. Ambos tínhamos blogs de viagens e a vontade de criar algo maior. O Arnaldo tinha parte da viagem desenhada e falou-me nela pela primeira vez durante a Concentração em Góis. Pouco tempo depois esta tornou-se na nossa viagem e começámos a projetar o que viria a ser o início do atual projeto asviagens.com! O Arnaldo tem um historial já bem preenchido em viagens de aventura, o meu é mais recheado com outro tipo de viagens, que convergem cada vez mais do turismo convencional também para a aventura. Decidimos juntar os blogs e criar um portal com nova imagem, página de facebook, instagram e canal youtube. A página de facebook é mais ativa, enquanto o portal retrata em modo artigo todo o nosso passado e presente em viagem. O youtube mostra em vídeo parte do que temos realizado, o instagram faz o mesmo em modo foto. Ficaram todos online em janeiro 2017! O foco é agora maior em viagens de mota, no entanto temos mais conteúdos disponíveis, como viagens de autocaravana, bicicleta, avião ou canoa.
Uma aventura e não turismo
Nunca tínhamos feito uma viagem tão grande e a ideia de passeios mensais com amigos tornou-se ao mesmo tempo numa fase de testes para o que viria a ser a viagem ao Cabo Norte. Não seria feita em modo turismo, mas sim aventura! Os primeiros meses antes da grande viagem, entre agosto 2016 e janeiro de 2017, foram meses de preparação. Todo o material de campismo que comprámos, foi testado em condições adversas para que soubessemos o que poderia resultar, sendo ao mesmo tempo leve e compacto (íamos enfrentar tanto 40C como 0C, sol e calor, frio e chuva).
Também não eram certos os dias que teríamos disponíveis para realizar a viagem. A ideia inicial foi a de usar 22 dias durante o mês de julho para os quais projetámos 16000km, pensámos em vários nomes para a viagem e acabámos com 2NK: 16000km pela Europa (2: Two/to NordKapp). Mais tarde conseguimos ter um mês disponível e pensámos em usar 29 dias, ao acrescentar pontos de passagem tínhamos mais de 17000km para fazer e acabámos por realizar 18000km. Queríamos acampar o máximo possível, usar a plataforma de couchsurfing, dormir em casa de um ou outro amigo e usar o hostel ocasional.
Teria de ser feito com o espaço de 3 malas e um saco de depósito, sem drybags exteriores, onde teria de caber todo o campismo, roupa, comida, eletrónica e algumas surpresas que viriam mais tarde. Além disso a viagem foi pensada de modo a ter aventura e pontos de interesse do inicio ao fim e não apenas o Cabo Norte, com trajetos de ida e volta diferentes, teria também que ser documentada em foto e vídeo.
Uma XT para ti, uma XT para mim
Trocámos de motas em fevereiro de 2017. As fiéis Honda Transalp e Suzuki V-Strom deram lugar a duas Yamaha Super Tenere XT1200Z, uma feia outra bonita, nunca concordamos em qual é qual. Sendo uma das minhas motas de eleição, depois de vários test-rides a vários modelos, ambos queríamos mudar e concordámos que seria a melhor mota para a viagem. Comprámos as motas, cada uma delas usada e em semanas diferentes, adicionámos todos os extras, criámos algumas peças personalizadas e adaptámos tudo o que achámos necessário ao longo dos meses.
Fizemos as nossas próprias revisões completas e escolhemos pneus que durassem todo o percurso além de nos permitirem algumas incursões fora de estrada. Duas, três, quatro, cinco vezes por semana os nossos serões foram passados na Arny’s Garage, a nossa “oficina”, muitas vezes rodeados de amigos, muitas vezes sozinhos, sempre com algo para montar, desmontar ou inventar.
Grão a grão..
Com a evolução do nosso projeto e tudo envolvido no tipo de viagem desenhada, cresceu o interesse exterior e passámos a ter o patrocínio oficial da I’m In Motion, produtora onde o Arnaldo é editor. Apoiaram-nos com a criação de conteúdos multimédia (como o nosso vídeo de apresentação animado) e angariação de outros patrocínios, o que resultou no patrocínio principal da Ginja d’Óbidos – Vila das rainhas e nos patrocínios da BP Portugal, NEXX Helmets e Impetus Underwear. Adicionalmente tivemos o apoio desde sempre por parte dos nossos amigos na Rod’Aventura, onde comprámos maior parte do material, além de termos uma pequena ajuda em produtos KLIM (nomeadamente nos casacos Badlands) por parte da AMS.
Tudo cresceu valorizando o projeto, mas também cresceu a nossa responsabilidade. Algumas marcas podem não fazer sentido á primeira vista, mas tudo encaixou na perfeição! Levámos (literalmente) a Vila das Rainhas para a dar a provar em todos os cantos por onde passámos e obtivemos ótimas reações. Os Nexx XD1 cumpriram perfeitamente o objetivo em todas as condições climatéricas, assim como a roupar interior desportiva da Impetus, ambos não podemos deixar de recomendar. A BP seria a marca mais óbvia e a rede europeia onde se pode utilizar o cartão Routex também nos facilitou a viagem.
A ansiedade de 1 ano em 1 dia
Chegou a véspera da nossa partida e as duas semanas anteriores foram stressantes. A mota do Arnaldo sofreu uma queda, parada, num parque de estacionamento, o que nos deixou preocupados pois já não tínhamos tempo nem disponibilidade para problemas graves. Felizmente era um arranjo simples e tudo se resolveu rapidamente (Obrigado Almerindo!!).
Tudo estava pronto uma semana antes da viagem, a I’m In Motion esteve essa última semana de Junho em peso nos Açores e só íamos estar juntos para acertar pormenores neste dia. Não contava dormir muito, o arranque era no Padrão dos Descobrimentos, a ansiedade do último ano estava toda concentrada no dia de hoje, e muitos amigos, familiares e conhecidos iam-nos nos ver partir. Estava na hora. Será que tudo vai resultar? Esquecemo-nos de algo? Estamos à altura do desafio? Dia 1 de julho de 2017 pelas 10:00h saímos do Padrão dos Descobrimentos com cerca de 20 motas atrás de nós em caravana, alguns amigos acompanharam-nos até Elvas. Tinha começado a aventura!
Andar, aprender, ganhar ritmo
Os primeiros dias foram de adaptação à nossa nova realidade, ganhar ritmo e entrar em sintonia. Exaustos depois de um primeiro dia com 1100km percorridos, depois de sair tarde de Lisboa, ás 03:00h conseguimos por sorte e por boa vontade do funcionário do bar arranjar um campismo em Lérida, já muito perto de Andorra. No dia seguinte atravessámos os Pirenéus, passando por Andorra-a-Velha e Pas de La Casa e tendo um primeiro encontro com estradas de montanha e paisagens lindas. Depois dos Pirinéus começámos uma jornada de dois dias pelo sudeste de França, onde dormimos em stealth camping atrás dum cemitério e onde fizemos algumas centenas de quilómetros com vento lateral muito forte em estradas nacionais cheias de radares, o objetivo era atravessar a estrada panorâmica de Combe Laval e chegar a Bardonecchia. A estrada de Combe Laval tem vários túneis cavados na rocha, é muito estreita e o precipício é literalmente uma parede muito alta, o que cria um enorme impacto visual. Para quem não conhece é definitivamente um ponto a não perder e a fazer um dia de mota. Passámos algum tempo a admirar a beleza do local e seguimos então para Bardonecchia, nesse mesmo dia a dormida foi complicada! Ambos os locais onde acampámos anteriormente estavam cheios de melgas e mosquitos o que nos deixou completamente picados e com inchaços. Além dos braços tinha uma “coroa” de picadas inchadas desde a testa até ao pescoço, o que me dificultava bastante o uso do capacete, o Arnaldo tinhas as pernas em ferida. Com praticamente tudo fechado á meia-noite, nenhum parque de campismo estava disponível, campismo selvagem estava não estava a parecer uma opção e acabámos por ter de alugar um quarto no único sitio que encontrámos aberto, onde pudesse tomar banho e esfregar bem as picadas. Sendo o inicio da viagem e tendo como objetivo acampar mais e gastar menos, gerou-se alguma dúvida entre nós do que ia ser a viagem, se íamos conseguir ter os dois o ritmo pretendido, mas o dia seguinte reservava um dos pontos mais altos e dissipou algumas dúvidas.
Col du Sommelier
Porquê Bardonecchia? Ao lado desta estância de esqui onde se realizaram os jogos olímpicos de 2006, situa-se a estrada não pavimentada mais alta da europa, que sobe até aos 3000m de altitude: a subida ao Col du Sommelier. Neste cantinho de Itália está a fronteira de França, no topo do Col du Sommelier temos acesso a pé à fronteira e também a um glaciar. Começámos a subida de 25km, sendo a primeira etapa o caminho até ao refúgio, o troço de acesso mais fácil. Durante toda a subida a paisagem é deslumbrante, o refúgio está situado num vale com uma cascata enorme e de onde podemos vislumbrar por onde continua a subida, cotovelo atrás de cotovelo em fora de estrada, até perdemos de vista o caminho, dissipado no meio da paisagem. Com as motas pesadas e completamente carregadas tínhamos uma dificuldade acrescida no troço restante, mas subimos de qualquer forma. À medida que se sobe o piso torna-se mais complicado, chegando a estar cheio de pedra mais perto do cume, mas tanto quanto complica também fica mais bonito, passando em clareiras e partes de estradão com lama a atravessar blocos de neve, que por aquela altura ainda não tinha derretido totalmente. A adrenalina da subida aliada ao frio da altitude criaram a temperatura perfeita para passarmos umas boas horas a disfrutar deste local, que até me presenteou com uma queda na descida, muito devagar num cotovelo, sem sitio para pousar o pé deixei a Super Téneré dormir uma sesta. Com uma amolgadela numa mala e uma história para contar, levantámos a mota e seguimos viagem, não sem antes almoçarmos numa sombra a apreciar a vista. É um sítio mágico que deixa saudades e que nos manteve o espírito em alta para os dias seguintes! Nesse dia fizemos mais 300km, passando por Turim e subindo até acamparmos em Aosta, junto à fronteira da Suíça.
Montanha verde, água azul, passos para todos os gostos
Entrámos na Suíça subindo pelo passo Grand-Saint-Bernard. A particularidade da Suíça é que a desde que entramos até que saímos, a paisagem e as estradas nunca deixam de impressionar. Atravessámos grande parte do país nesse dia, passando por Interlaken e acabando no topo do Passo de Furka, o qual descemos de noite. Subimos e descemos inúmeros passos, conduzimos por campos verdes, plantações de vários tipos, lagos de água azul e até deu tempo para um banho em Interlaken. Uma hora depois do banho atravessámos uma tempestade que durou até acabarmos a subida ao Passo Grimsel mesmo antes de Furka. Depois de descer Furka à noite acabámos acampados junto ao Lago Walensee, já perto do Liechenstein, num camping que entrámos sem aviso pois já estava fechado. Fomos brindados no dia seguinte com a óbvia má disposição do rececionista, mas também com uma vista excecional do lago!
1 Dia, 5 países
Saímos da Suiça, visitámos Vaduz no Liechtenstein, cruzámos um cantinho da Áustria, visitámos o Castelo de Neuschwanstein na Alemanha e circundámos Munique para nesse mesmo dia acampar nos arredores de Cesky Krumlov na República Checa. Não deixa de ser uma sensação estranha poder estar em 5 países no mesmo dia, algo que nós Portugueses não estamos habituados, mas que é uma das razões pela qual esta foi uma viagem alucinante pela Europa e não apenas uma viagem ao Cabo Norte. Uma das outras razões é que mesmo não estando em 5 países diferentes todos os dias, estivemos muitas vezes em um diferente a cada dia!
Do centro ao norte
Depois de visitada Cesky Krumlov subimos em direção a Praga e tivemos um erro logístico. Eu estava convencido que o Arnaldo queria dormir em Praga. Ele estava convencido que eu queria dormir em Praga. Alugámos um quarto, no final da noite percebemos que nenhum de nós queria ter feito apenas 200km e ter ali ficado a dormir, era tudo o que esta viagem não representava. Do mal o menos, foi a última noite que pagámos para dormir até chegarmos a Talín, 10 dias depois. No dia seguinte conseguimos um Couchsurfer disposto a acolher-nos em Rostock, percorremos essa distância, de Praga a Rostock, com uma paragem a meio para ver Berlim e com promessa de chegarmos pelas 20:30. À chegada aguardava-nos o Christian, à porta do seu hostel, o qual ia funcionar como balneário e WC, visto a casa dele, onde íamos dormir, estar em obras e não ter casa de banho nem Água. Acordámos cheios de pressa na manhã seguinte por volta das 07:00h e fomos em contra-relógio até ao porto de Rostock, para conseguirmos apanhar o barco a horas. Estávamos prestes a entrar nos nórdicos!
Nórdicos
Foi a nossa primeira travessia de barco e uma nova sensação de estar realmente longe de casa, com as nossas motas. Entrámos na Dinamarca e fomos direito a Mons Clint ver as fantásticas falésias de calcário, não perdemos claro as belas paisagens pelo caminho para o filme e foto ocasional. De seguida visitámos Copenhaga e as suas zonas mais famosas, antes de apanharmos o segundo barco, desta vez para a Suécia. Uma vez feita a segunda travessia, o objetivo era dormir o mais perto possível de Estocolmo. Já de madrugada encontrámos um bom sitio para acampamento na floresta, a cerca de 100km de Estocolmo, e aí ficámos em mais uma noite de campismo “selvagem”! Depois de uma noite de descanso, saímos para Estocolmo para uma visita rápida à cidade, com o compromisso de chegarmos nesse mesmo dia à Noruega! Visitadas algumas das atracões em Estocolmo o nosso rumo era Oslo, onde nos esperava a primeira estadia em casa de amigos. Assim que atravessámos a fronteira para a Noruega começou a chover e foi assim que chegámos a Oslo, mal sabíamos o que os próximos dias nos reservavam. O Pedro e a Rita (e o Óscar) acolheram-nos nessa noite e houve claro tempo para conversa, sobre a viagem e não só. No dia seguinte acordámos com esperança de melhor tempo, mas a chuva continuava, e viemos a perceber pelas previsões que provavelmente nos iria acompanhar pela descoberta da Noruega nos próximos dias. Até à chegada a Oslo a Noruega não impressionava, mas assim que saímos da cidade o cenário começou a transformar-se e a deslumbrar. Nos dois primeiros dias de chuva durante 24h, percorremos cerca de 1000km no total. Visitámos Heddal e a sua famosa igreja de madeira, passámos em Latefossen, Odda, Geiranger, Trollstigen, várias passagens aleatórias por estradas secundárias cheias de blocos de neve, cascatas atrás de cascatas e lagos gelados. Os Fiordes são imponentes e de uma beleza que apenas pode ser verdadeiramente apreciada presencialmente e (quase) fizeram com que nos esquecêssemos da chuva. Nesses dois primeiros dias acampámos num parque de merendas junto à água e atrás de um barracão, também junto à agua, com a maior das naturalidades e numa paisagem deslumbrante. No terceiro dia pela Noruega chegámos e atravessámos a famosa Estrada Atlântica subindo depois para Trondheim. Neste ponto e como continuava a chover sem parar, decidimos fazer parte do percurso pela E45 na Suécia, em direção ao Cabo Norte. Este terceiro dia na Noruega dia foi o primeiro de 4 dias de 1000km por dia à chuva quase sem tréguas, os quais iriam terminar em São Petersburgo, e que tiveram direito a sacos de plástico por dentro e por fora das botas, sempre com campismo pelo meio. A travessia da E45 foi uma espécie de martírio, foram 1000 e muitos quilómetros de retas, chuva, árvores e renas, com bombas de gasolina de 200 em 200km e bastante força de vontade. A paisagem é bonita…nos primeiros 100km. Depois nunca muda e torna-se muito monótona e repetitiva, o ponto alto foi a travessia do Circulo Polar Artico, mas foi um alívio voltar a entrar mais em cima na Noruega. Ao atravessar a fronteira, depois de um cantinho da Finlândia, voltámos a entrar na Noruega por um vale que nos parecia mágico, de enormes dimensões e cheio de neve, com uma reta interminável com altos e baixos. Sinceramente tive que parar e apreciar, também tirar uma foto mas que não faz jus de perto nem de longe ao que estávamos a ver e sentir naquele momento. Estava mais perto o Cabo Norte. Percorremos mais umas centenas de quilómetros até chegarmos ao cruzamento no qual viramos á esquerda para o Cabo Norte, seguindo por uma estrada sem saída durante 120km. Nesse momento eram 1:30h da manhã e tinha parado de chover, à nossa frente tínhamos curvas e contracurvas à beira-mar complementadas com túneis e uma luz como se fossem 15:00h, ou não estivéssemos sem noite desde que saímos da Estrada Atlântica. É uma sensação especial e a vontade de chegar era muita, pelo que o cansaço dos já 950km percorridos naquele dia passou e aceleramos até ao Cabo Norte…onde encontrámos o inferno. A cerca de 300m da entrada estava um nevoeiro tão denso que a mota da frente não se via a 10m de distância. Tendo memorizado o complexo demos com a entrada e avançámos até á esfera armilar, onde estava tanto frio , tanta humidade e tanto vento que toda a nossa eletrónica deixou de funcionar, com exceção de um dos telemóveis. Conseguimos o vídeo e as fotos com algum esforço e com a ajuda de um grupo de 3 alemães e assim que pudemos voltámos uns quilómetros para trás, onde acampámos junto a umas mesas de merendas, ainda no Cabo Norte, com um sol maravilhoso por volta das 5 da manhã. A missão principal estava cumprida, e foi uma sensação única acordar numa tenda no Cabo Norte, sem uma única nuvem no céu. Mas foi (literalmente) sol de pouca dura. Nos dois dias seguintes atravessámos a Finlândia com chuva intermitente em direção a São Petersburgo onde tínhamos conseguido o segundo Couchsurf da viagem, nos segundos dois dias de 1000km.Atravessar a Finlândia foi um pouco parecido com a E45 na Suécia mas menos monótono e menos repetitivo. As refeições até então eram sempre feitas com comida de supermercado ou algo a correr numa bomba de gasolina, nesta altura sabia bem comer algo preparado e quente. Comemos o melhor hambúrguer de kebab da nossa vida (e talvez o único) e tiramos fotos em Rovaniemi, na segunda travessia do circulo Polar Ártico. Neste momento decidimos ir mais directos a São Petersburgo e andámos até estarmos demasiado cansados, onde procuramos mais um local para acampar!
Rússia
No quarto e último dia da jornada dos 1000km atravessámos a fronteira para a Rússia em direção a são Petersburgo, o que demorou 3 horas só na fronteira. Passámos 4 controlos em que não ouvimos uma palavra de inglês, e, caso não fosse a boa vontade das próprias pessoas que voltavam ao seu país, penso que ainda lá estaríamos hoje à espera para perceber o tínhamos que fazer. Tivemos ajuda a preencher impressos e com explicações do que era necessário, por parte de cidadãos comuns e não dos funcionários da alfândega, que nos deixaram 1 hora à espera só porque sim. Aqui começámos a perceber a simpatia dos russos, que contrariava todo o preconceito que existe. Esperava-nos a Anna para nos dar abrigo, e, devido ao atraso na fronteira, esperou por nós até cerca da meia noite, quando nos recebeu com simpatia e se disponibilizou a deixar-nos em casa com a chave pois ia trabalhar as 6 da manhã. Nesse percurso também presenciámos o total caos semi-organizado que é o simples acto de conduzir na Rússia. Uma faixa de rodagem de 2 vias + berma rapidamente se transforma em 5 ou 6 vias, ultrapassagens duplas ou triplas (sim, em paralelo pela esquerda, pela berma ou por onde der) são comuns, mesmo quando vêm 2 ou 3 carros frente a fazer o mesmo. No entanto toda a gente se desvia, toda a gente agradece e não se ouve uma buzina ou uma queixa. No dia seguinte visitámos São Petersburgo, entregámos a chave de casa à nossa amiga Anna, visitámos um memorial com tanques perto de São Petersburgo e seguimos em direção a Helsínquia!
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A passagem por Helsínquia foi em modo relâmpago. Nos próximos dias tínhamos a companhia da Soraia (minha namorada – Gonçalo) e ela já nos aguardava em Talín! Depois da volta pela cidade e de uma passagem pelo Nokia Campus – (Sede mundial da empresa onde trabalho) apanhámos o último barco mesmo em cima hora para a Estónia, pelas 21:00h. Este dia teve direito a receção, jantar e a brinde com vinho! Descansámos e preparamo-nos para lavar roupa no dia seguinte e para uns dias de viagem a 3. O ritmo dos 4 dias anteriores tinha o intuito de podermos reduzi-lo nestes dias seguintes, e rolámos cerca de 450/500km por dia. Atravessámos a Estónia, Letónia e Lituânia visitando Talín, Riga e Vilnius com mais calma, dormindo sempre em campismo. Ao entrar na Polónia esperava-nos o Piotr e a sua família em Varsóvia, amigos do Arnaldo, que nos deram abrigo, além de um belo jantar. Foi também na garagem do Piotr que fizemos a revisão ás Super Ténéré, tínhamos-lhe pedido previamente para nos comprar óleo pois não íamos chegar a horas de encontrar uma loja aberta, e mal chegamos tratámos de lhes dar sangue novo! No dia seguinte tivemos direito a uma visita guiada por Varsóvia durante a manhã, depois da qual nos despedimos do Piotr, da Flávia e da Vitória e seguimos em direção a Cracóvia. Antes de Cracóvia fomos a Auschwitz para uma visita aos campos de concentração. Auschwitz é aquele lugar marcante que todos deviam visitar, mais que não seja pelo enorme exemplo de tudo o que não se deve fazer! É forte psicologicamente e visualmente, e custa presenciar as evidências de tudo o que aconteceu, mas não poderíamos passar sem esta visita, que teve uma coincidência curiosa: era o dia de aniversário do Arnaldo, e foi ali que terminámos a tarde. Para celebrar o aniversário nesse dia jantámos fora – Cortesia da Soraia – antes de rumarmos à nossa estadia num hostel, num quarto com 2 beliches. No último dia de viagem com a Soraia saímos de Cracóvia depois de uma visita pela cidade e de procurarmos um sitio onde comprar pastilhas de travão para trás, para ambas as motas. Atravessámos a Eslováquia e chegámos a Budapeste na Hungria, onde iríamos dormir no “Bikercamp Budapest”, um campismo dedicado a pessoas que viajam de mota ou bicicleta, no centro da cidade. Deu para fazer algumas amizades durante o jantar e enquanto arrumávamos as malas na manhã seguinte, para mais tarde nos despedirmos da Soraia que voltou para Lisboa nesse dia, enquanto nós seguimos para Bratislava, Viena e Hallstat.
Áustria e Itália
O objectivo deste dia era dormir em Hallstat, e depois de passagens rápidas por Budapeste, Bratislava e Viena, chegámos já de madrugada. Durante o dia o tempo melhorou e decidimos que provavelmente já não devia chover mais (afinal era Julho, mas chovia todos os dias intermitentemente desde que saímos do Cabo Norte) e tirei os extensores das proteções das mãos. Escusado será dizer que acabámos por fazer praticamente toda a Áustria à chuva. Em Hallstat procurámos um sitio abrigado para acampar em campismo selvagem e encontrámos um recanto no fim de uma ciclovia, junto a uma linha de comboio, onde dormimos. No dia seguinte tínhamos algumas coisas programadas para ver perto de Hallstat (a suposta vila mais bonita da Europa), mas devido ao mau tempo acabamos por nos focar em ir visitar a grutas de gelo de Eisriesenwelt. Foi a melhor decisão que tomámos! As grutas são de uma beleza fantástica, e depois de umas longas caminhadas a subir, vestidos com o equipamento da mota e capacetes, além de um teleférico a meio do caminho, chegamos à entrada das grutas. À entrada dão-nos uma lamparina a óleo pois lá dentro não existe qualquer luz artificial, existem sim 1400 degraus cravados no gelo que temos que subir! Podemos observar várias formações no gelo que vão sendo iluminadas e explicadas pelo nosso guia durante todo o percurso. Depois das grutas continuámos o nosso percurso pela Áustria até chegarmos ao Passo de lo Stelvio ao final da tarde, o qual subimos pelo pequeno Passo Umbrail, num pequeno atalho que fizemos pela Suiça! Em Stelvio a temperatura era de 2ºC com sensação térmica de -3ºC, tinha as mãos tão geladas que tive que procurar um sitio onde as aquecer para conseguir tirar uma foto! Como antes tínhamos ensopado as luvas de inverno, nesta altura já vínhamos com as luvas de cozinha (sim, cor de rosa) por cima das luvas de verão, o que ajuda com a chuva mas pouco com o frio! Descemos Stelvio e fomos dormir num campismo em Bormio, com temperaturas muito mais amenas! Acordámos com o objectivo de chegar a Manorola, Cinque Terre. Atravessámos o Passo Gavia, o qual acho um dos mais bonitos e onde nevou, e o Passo Tonale, que tem das melhores curvas que fizemos! Sempre a fugir da chuva, de seguida percorremos toda a estrada ao longo do Lago di Garda com uma paragem técnica num miradouro, para o qual se sobe por uma estrada com túneis cavados na rocha. Depois de Garda, acelerámos ate Manarola, tirámos a foto da praxe, demos a nossa volta e jantámos, claro, no parque de estacionamento..mas logo reparámos que ali não teríamos onde dormir, é uma zona de acesso limitado e pouco favorável ao campismo. Decidimos continuar. Atravessámos durante duas horas uma serra com curva e contra-curva, sem iluminação, já depois da meia noite. Ao chegar a uma povoação no fim da descida (não faço mesmo ideia qual) vimos um Kebab aberto e fomos comer qualquer coisa. Sentei-me no muro da praia a apreciar o kebab, eram por volta de 01:00h e estávamos cansados, quando o Arnaldo me diz: “Bem…há aqui um parque para motas e uns bancos de Jardim..”. Sem pensar muito, estacionamos as motas, tirámos as nossas almofadas (os sacos da roupa) e dormimos ali, um banco para cada um..! Fomos acordados por volta das 06:00h com o senhor a lavar o chão, que por pouco não nos lavou a nós!
Mónaco >> Lisboa
Seguimos o nosso caminho para Lisboa não sem antes passar por Génova, por San Remo e pelo Mónaco, para aproveitar as praias do mediterrâneo. Depois de uns mergulhos naquela bela água azul, dormimos em França, em campismo, já com a sensação de estarmos a voltar para casa e de estar a acabar a viagem..faltavam-nos dois dias e meio! Acordámos e traçamos destino em Valência com passagem por Barcelona. Foi uma visita rápida, ambos conhecíamos a cidade, e estávamos mais focados em Valência! Mais uma vez dormimos em campismo e acordámos para visitar a última cidade da nossa viagem! Nesse dia decidimos chegar ao campismo de Mérida cedo para aproveitar a piscina, em género de recompensa, e para deixar uma viagem curta para o dia da nossa chegada. Tínhamos também reservados 650km de viagem até Mérida com 45ºC, pelo que o campismo tomou mais contornos de Oásis! Uns bons banhos, petiscos e tinto de verano foi ao que tivemos direito. Chegou o último dia! Um companheiro contactou-nos pelo facebook e insistiu em pagar-nos umas bifanas em Vendas Novas, claro que são sempre bem-vindas (Obrigado José Lopes!), pouco depois disso um amigo (Pedro Ochoa) veio ao nosso encontro para seguirmos viagem juntos até ao nosso último ponto de passagem antes de Lisboa, o Cabo da Roca! Chegámos ao Cabo da Roca e um dia de 30ºC em Lisboa, na Roca era um dia de inverno, parecia que tínhamos voltado ao Cabo Norte! Ligados Cabo a Cabo, e com as fotos tiradas, juntaram-se mais dois amigos a nós (Henrique e Sónia) e juntos seguimos até ao culminar da nossa viagem, o Padrão dos Descobrimentos. Esperavam-nos os nossos amigos e familiares com uma surpresa, ao chegar fomos brindados com um banho de champanhe e parabenizados de várias formas, com beijos e abraços, para eles com orgulho e paz de alma por nos ver inteiros e bem de saúde, para nós com a fantástica sensação de objetivo cumprido, tínhamos acabado de completar a viagem das nossas vidas! Agora era hora de um brinde com a nossa querida companheira de viagem, Ginja Vila das Rainhas, um brinde até à próxima viagem, um brinde a tudo o que vivemos nesse mês extraordinário!
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